quarta-feira, 27 de maio de 2009

Estréia - Madrigal

A música sempre foi uma constante no meu cotidiano. Quase tudo o que eu faço, faço ouvindo música. No topo da minha lista de passatempos, está ler e escrever e ambos são pazeres que só sinto completamente quando há uma trilha sonora por trás.

Na minha vida escolar, contam-se dez anos de coral - inicialmente como mezzo e, após minha voz ter maturado, como soprano. Quando devidamente aquecida, eu consigo alcançar aquelas notas incrivelmente agudas de "quebrar cristal". Alguns dos meus melhores amigos fora pessoas que conheci na turma de canto do Santa Maria.

No currículo, posso ainda acrescentar dois anos de violão com direito a apresentações ao vivo e duetos com dois amigos violinistas.

Infelizmente, após o primeiro ano de faculdade, tudo isso teve de ser posto de lado. Para começo de conversa, saindo do colégio, deixei também o coral e com um horário absurdo onde eu nunca sabia quando estaria em casa, tive de sair das aulas de violão também. Faz três anos que eu não canto - não no sentido de cantar debaixo do chuveiro, mas de realmente cantar. Sem os exercícios de voz e respiração, meu fôlego que antes agüentava os quase vinte tempos num dos versos de Ave Verum Corpus não chega hoje a sustentar uma nota por mais de um minuto. Os calos sumiram dos dedos e meu pobre violão se encontra encostado dentro do meu guarda-roupa há um bom tempo...

O fato de estar tão enferrujada não muda, é claro, minha quase dependência da música. Posso não produzir, mas estou sempre ouvindo.

Um desses dias, meu amigo solista e tenor do coral veio filar o capuccino caseiro da minha mãe e passamos uma boa hora conversando sobre como sentíamos falta dos nossos tempos no coral e das histórias que colecionamos nesse tempo.

Lembramos de um passeio no Paço quando paramos no Café São Braz - onde há um pianista tocando ao vivo, não um teclado, mas um piano mesmo - e nos sentamos para tomar Nega Maluca (na verdade, esse foi meu pedido; não lembro o que os meninos quiseram) quando o pianista começou a tocar Chega de Saudade. Tinha alguma coisa na minha bebida que dali há pouco eu comecei a cantar e em voz alta, no meio do café e eles (o tenor e nosso outro amigo que era baixo) acompanharam.

Meia hora depois, as simpáticas senhoras da mesa ao lado estavam pedindo suas músicas favoritas e o pianista esperava por nós para começar a próxima canção.

Lembramos dos Festivais, do Jubileu, do nervoso atrás das cortinas pouco antes de entrar no palco, de uma ocasião em que tive uma crise homérica de alergia por conta do gelo seco e de uma quase queda das escadas, das trocas de roupa nos camarins caóticos e simplesmente dos ensaios, quando outra colega tocava o piano e nossa super artista de plantão, que freqüentava o coral e os grupos de dança e teatro, dava piruetas no palco, ou acompanhava na flauta doce ou na ocarina - qualquer que fosse o instrumento que ela estivesse carregando no dia.

Lembramos, principalmente, do grupo sentado diante da regente, nossa querida "Tia", fazendo a maior bagunça, cantando desafinado, apenas pelo prazer da música.

Nesse dia, fizemos projetos - não pela primeira vez - de reunir a turma, tentar se encontrar com regularidade, arranjar um lugar onde pudéssemos ensaiar. Eu prometi afinar o violão. Ele decidiu tirar o violino da caixa e telefonar para o resto do pessoal - outra das coristas inclusive tinha falado com ele sobre isso já.

O grupo não chega a dez pessoas, mas é praticamente impossível conseguir conciliar as agendas de todo mundo. Fora que um foi para Yale, outro está no Norte, duas chegaram agora de Portugal, quase todo mundo faz faculdade e/ou trabalha. E, como já aconteceu antes, os planos não chegaram nem a ser colocados no papel...

Em todo caso, foi em algum ponto dessa conversa que a primeira fagulha de inspiração para Madrigal nasceu. Eu sabia então que queria escrever alguma coisa - qualquer coisa - que envolvesse música.

Algum tempo depois dessa visita, levamos um baita susto aqui em casa: fazendo exames de rotina, minha mãe descobriu que estava com um nódulo na mama. Considerando o histórico da família, as duas semanas que levaram para chegar à conclusão de que era apenas um cisto e que só seria necessário, ao menos por hora, um acompanhamento, foram um bocado difíceis.

Foi exatamente nessas duas semanas que comecei a escrever. Meu humor e paciência para conversar com qualquer pessoa tinham evaporado (e eu sumi da internet também graças ao meu computador, que decidiu não mais ligar) e precisava desesperadamente de uma válvula de escape.

Diferente de outros dos meus projetos, em que passava dias criando os personagens e seus backgrounds antes de sentar para começar a esboçar o que quero da história, Madrigal começou com o som de um monitor cardíaco numa página em branco.

Exatamente como a memória de Shiraishi Hanako.

Para os que não conhecem terminologia musical, Madrigal é uma peça, um estilo musical para duas ou três vozes, muitas vezes sem acompanhamento instrumental (a capella), constituindo- se de uma voz mais grave e calma, acompanhada de outras mais agudas e agitadas.

É um título bem a calhar, visto que a história é contada a partir de três pontos de vista, contando os de uma violoncelista e dois violinistas.

Tendo dado toda essa explicação, deixo vocês com o primeiro capítulo da história. Espero que gostem.

Romance-Drama-Musical/G


Beijos,

Lulu-sempai

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